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Existem alimentos bons e ruins?

Já contei por aqui que fui da turma que demonizava o pão francês, lembra? Influenciada por revistinhas de saúde e celebridades, acabei integrada à turma da carbofobia por um tempo. Na verdade, era mais a pãofobia mesmo. Eu sentia que era errado comer o bonitinho à base de trigo, especialmente à noite. E lembro bem. As atrizes que protagonizavam a novela da vez não cansavam de dizer por aí que estavam magérrimas, maravilhosas, e com barriga negativa porque cortaram pão e carboidratos à noite. 

Nessa época, parece que existiam duas caixinhas de alimentos pra mim: a de bons e de ruins. Não havia meio termo, contexto, equilíbrio, bom senso, nada. Era o repolho orgânico do lado dos consagrados e a batata frita do lado dos monstros. 

Pra piorar, criamos uma série de palavras pra categorizar a comida, uma pior que a outra. Doces e frituras no geral se transformaram em “gordices”, “junk food“, “porcaria”. A quinoa, a chia, a farinha de grão de bico, o gengibre, por exemplo, ganharam a medalha de “superalimentos”

A partir disso, a indústria deitou e rolou. A publicidade da TV e as embalagens dos produtos começaram a entrar na onda das caixinhas de alimentos bons e ruins. Então, o pão de fatia de antes, em vez de se tornar mais natural, perdeu a farinha de trigo e ganhou um mix de farinhas sem glúten. Pra estampar a mudança, o rótulo virou “pão do bem” ou “pão funcional”

O mix de misturas pra bolo, coisa que nem deveria existir de tão bizarra, ganhou 1% de linhaça e uma embalagem que diz: “bolo integral”. Salgadinhos estilo baconzitos passaram a ser assados em vez de fritos e ganharam a frase “mais saudável”. Como se o problema do baconzitos estivesse na forma como ele foi preparado. 

Em TODA receita aqui do blog, eu recebo mensagens no Instagram perguntando se pode fazer tal ou tal substituição, do tipo: “posso trocar a mandioca por batata doce, que tem o índice glicêmico menor”? E não são pessoas com problemas de índice glicêmico. São sempre pessoas querendo emagrecer OU com medo de comer mesmo. 

Pra discutir essa loucura das caixinhas que criamos pros alimentos, convidei a nutricionista Cristiana Maymone, que é simplesmente uma pessoa maravilhosa que todo mundo devia conhecer. Ela é pernambucana, mas mora em São Paulo, atende pessoas a preços sociais e ainda dá consultorias. Acompanhar o trabalho da Cris no Instagram (@crismaymone) me enche de esperança e alegria! Sim, nós temos muitos profissionais da área da saúde super sensatos, politizados e que defendem uma abordagem para além da questão dos nutrientes. Pra melhorar, a Cris ainda é vegana! Se quiser entrar em contato com ela, manda e-mail pra: [email protected]

Já antecipando um pouquinho da entrevista que fiz com ela, destaco um trecho da fala da CRIS que é tão bom, mas tão bom que tô pensando em enviar pras celebs e médicos que ficam mandando o povo cuspir o pão. 

Ela disse: “A gente não é ninguém para dizer quem vai comer o que, o que é bom e ruim. Fornecer conhecimento sobre os alimentos é muito mais impactante para a redução do consumo. Então, em vez de proibir de consumir tal coisa, prefiro ir no foco de orientar o que é esse produto, o que ele causa de impacto e quem estamos fortalecendo ao comprá-lo. As proibições geram culpa e frustração para quem não consegue, o que pode levar a transtornos alimentares”. 

Existem doces do bem e doces do mal?

Agora espia a entrevista aí embaixo e depois me diga o que achou.

Existem superalimentos? 
Não. O conjunto dos grupos alimentares em equilíbrio comporá todas as necessidades nutricionais de micro e macronutrientes. A supervalorização dos alimentos muitas vezes é um manejo do mercado, que coloca o alimento em espaço de medicação. E esses dois possuem significados diferentes. Você deve ingerir, de preferência, alimentos in natura e minimamente processados, e que sobretudo te tragam prazer em consumir. Às vezes pessoas ingerem alimentos da moda por ter sido noticiada em algum momento sobre cura ou longevidade, mesmo sem gostar, ou consome de forma desenfreada… Os alimentos devem compor um hábito saudável no cotidiano e aí sim ele produzirá saúde.

Existem alimentos bons e ruins?
Considerando que ultraprocessados não são alimentos (posição pessoal, mas pode ser validada com algumas publicações e eu enfatizo a publicação nova da FAO sobre os ultraprocessados), todos os outros alimentos possuem contextos que podem ser bons dentro de certo momento: festas de aniversário, roda de conversa com amigos em um barzinho (e desde que esses contextos não sejam frequentes). Sendo assim, comer pizza no fim de semana para reunir a família pode ser bem saudável, mas fazer esse evento mais vezes na semana pode ser prejudicial.

Como devemos nos referir aos alimentos ultraprocessados? 
O senso comum é chamar ultraprocessados, mas gosto de usar o termo “produto comestível ultraprocessado”. Eles são produzidos essencialmente valorizando o baixo custo e desconsiderando a nutrição. Por isso, eles possuem alto índice de açúcar e/ou sal.


Como profissional da nutrição e vegana, você se refere aos ingredientes de origem animal de que forma? Você os considera comida?

Eu me refiro como “ingredientes de origem animal” e considero como alimento processado, mesmo não consumindo. Até um cachorro pode ser alimento de acordo com certas culturas. Porém, eu não estimulo o consumo por uma questão de ordem política. Não gosto de falar: “não coma tal coisa”. Prefiro: “reflita sobre os impactos do seu consumo e avalie o quanto o capital te influencia e o que você pode minimizar nesses impactos”. Até porque o veganismo não vai salvar mundo nenhum! A destruição ambiental é um sintoma, a causa é o capitalismo. É muito melhor um militante anticapitalista comendo carne do que um vegano elitista, mesmo que ele limpe a bunda com pano para não gerar resíduos. Eu milito em um coletivo antifascista que desenvolve atividades esportistas na periferia. Pra que vou chegar falando para não comer carne???? Eu quero mesmo é que eles realizem o sonho de ir para as Olimpíadas! O que cutuca mais o fascismo? Uma favelada ganhando medalha sem recurso nenhum? Ou uma favelada que não come carne? E olha que muitos de nós do coletivo não comemos carne, mas os espaços são diferentes. 

Ter uma alimentação saudável depende apenas de escolhas individuais? 
Nenhum consumo depende de escolhas individuais. Mas essas escolhas devem ter níveis de prioridades muito bem trabalhadas individualmente, porque isso pode gerar uma ortorexia. A melhor alimentação às vezes é aquela que é possível no momento.

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