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Roteiro de viagem – Porto Alegre

Sempre tive preconceitos com gaúchos. Tem essas palhaçadas de rivalidades regionais também, né? Carioca x paulista. Pernambucano x baiano. Gaúchos x catarinenses. Mas, apesar de ter 2 bilhões de amigos e pessoas que eu admiro muito nascidos no Rio Grande do Sul, não dá pra negar que se trata de  um estado bastante colonizador.
São os gaúchos que espalharam a cultura da monocultura de soja e de pasto no Cerrado, principalmente no Mato Grosso. Aliás, fiquei chocada quando tive em Cuiabá e ouvia “trilegal” em cada esquina. E agora são eles também que tão indo pra Amazônia fazer a mesma coisa. 
Mas acho importante a gente fazer esse exercício de não colocar todo mundo no mesmo bonde. Afinal, na sutil arte de eleger políticos conservadores, Santa Catarina tá bem à frente do Rio Grande. Porto Alegre, por exemplo, pulsa cultura. É lá que rola o maior festival de teatro do Brasil. E a cidade também é cheia das mobilizações e ativismos progressistas. Uma das coisas que mais me chocou foi a quantidade de lugares veganos pra comer ou com opções. Tem bastante coisa bem gourmet, como sempre, mas também uns preços ótimos. Mas deixa eu começar do começo de novo.
Eu passei 3 dias e meio em Porto Alegre por conta do curso Comida Política, que ofereci em parceria com a nutricionista Bruna de Oliveira, do @crioulacuradoria. Fiquei bastante surpresa com a quantidade de gente que procurou o curso. No total foram 52 pessoas inscritas. 🙂 
O motivo da minha ida a Porto Alegre foi dar 2 cursos em parceria com essa mulher maravilhosa, a Bruna de Oliveira, rainha das PANCs.
Pra mim, levar esse curso pras terras gaúchas envolveu ânimo a mais. Foi como oferecer uma edição aqui em Floripa, na minha terra. Isso porque o curso faz um percurso histórico da cultura alimentar brasileira. E funciona como um grito de protesto! Um grito pra gente parar de contar uma só história com a nossa comida: a dos colonizadores. 
E pra gente que nasceu na região sul do Brasil, onde rolou uma imensa imigração de portugueses, alemães e italianos no século XIX, a comida só conta essa história. A gente cresce achando que não havia ninguém aqui antes dos europeus chegarem pra trabalhar nas lavouras. A gente cresce comendo pão com nata, chucrute, risoto, quindim, overdoses de manteiga, muita carne, e os famosos produtos “coloniais”. Sim, aqui existe um negócio chamado “café colonial”, que é um buffet a quilo só com opções de café da tarde cheio dos produtos que lembram os colonos que povoaram Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

E acho interessante que essas comidas que remetem aos colonos europeus são coisas híbridas, que misturam um pouco da bagagem que eles trouxeram da Europa com o que foram encontrando aqui no Brasil. Mas, o excesso de carne que os imigrantes passaram a comer, por exemplo, nunca foi uma herança da sua terra natal. Um exemplo é o molho bolonhesa, criado pelos imigrantes italianos que povoaram os Estados Unidos. Uma coisa bem “típica” em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul é a cuca de banana, super tradição nas famílias descendentes de alemães. Mas isso não existe na Alemanha. 

Enfim, é óbvio que não tô falando pra gente fazer de conta que a imigração europeia nunca existiu. Não dá mais. Faz parte de quem a gente é. Maaaaas, temos uma obrigação histórica de não deixar a cultura negra e indígena ser apagada aqui. E a gente pode fazer isso pela comida também. 
A gente pode valorizar mais o nosso milho, aipim (mandioca), amendoim, abóbora, feijões, leite de coco, quiabo, banana da terra. A gente pode notar a existência de outras frutas que não sejam uva, morango e tangerina, por exemplo. Pode questionar o quanto é brasileira, de fato, essa cultura da criação de animais. Enfim, esse assunto dá muito pano pra manga e por isso ele rende um curso inteiro! hahahaha Mas achei importante contextualizar aqui. Afinal, falar desse tema na terra da galera que tem orgulho da herança europeia, como a minha tem, não é simples. Chega a ser afrontoso, entende? hehehe Pelo menos os gaúchos ainda preservam a tradição da erva mate no chimarrão, que é uma das influências dos povos Guarani. 
Vou fazer um resumão das coisas que fiz lá então e que podem ser úteis pra você. 
Conheça o Aurora Restaurante Antiespecista.

Nessa dia, a Bruna e as meninas da Crioula Curadoria Alimentar assumiram a cozinha e preparam esses matos revolucionários pra gente!
Pela grande vergonha que ficaram essas fotos, você vai ver que eu tava pouco preocupada em mexer no telefone nessa viagem! hahaha Vou começar recomendando muito que você conheça o Aurora Restaurante Antiespecista, que tem tudo o que a gente gosta: posicionamento político claro, plantinhas e comida sem bicho. Funciona no esquema “pague quanto quiser” pela refeição. AMEI!

Já no fim de semana, abri os trabalhos da forma mais deliciosa do mundo: caçando comida na Feira Orgânica da Redenção, que acontece todo sábado. Acho que nunca pisei numa feira tão incrível, com tanta diversidade e preços acessíveis. Eu já sabia que ia encontrar muita farinha orgânica porque as produções de orgânicos são grandes no Rio Grande do Sul. O que não passa de uma grande ironia, já que estamos falando de uma terra entupida de soja transgênica e ruralistas. Mas ainda assim me surpreendi horrores e, se tivesse tempo, passaria muitas horas lá. Só cuidem com as plantas medicinais porque uns moços me venderam tudo errado! hahaha Comprei um maço achando que eram folhas de murta e logo depois descobri que eram folhas de jabuticaba. Afff!

A variedade de grãos e cereais na feira é imensa!

Ainda não superei esses preços!

Chupa, Monsanto!

Se não tem feijão, não é feira hehehe. 

Nunca tinha visto castanha orgânica pra vender!

Prazer, flor do alho poró. 

Estamos na terra do arroz orgânico, né?
Enfim, tinha um moço tocando uns sambas entre uma barraca e outra, umas veinhas sacolejando seus carrinhos de compras, o tio do caldo de cana, muita erva, mudinhas, fubá sem veneno por R$4, pimentas, pão, tapioca, tofu, um sonho. Se você mora em Porto Alegre e tem a chance de frequentar esse lugar, FAÇA ISSO COM FREQUÊNCIA, POR FAVOR.

Depois da feira, continuei a orgia gastronômica no mercado local. O mercado de Porto Alegre pegou fogo há uns anos e o 2 andar continua fechado. Os restaurantes que ficavam lá em cima passaram pra baixo, bem apertadinhos uns nos outros. Eu almocei no Taberna, que oferece feijoada vegana aos sábados e uns bolinhos maravilhosos. Comi um de feijão com recheio de couve e outro de jaca. Ainda sigo chocada com os preços. A feijoada custa R$28 e a gente comeu em 3 pessoas, completando a fartura com os bolinhos, que custam R$8 cada e são imensos. O lugar não é vegano, mas tem uma infinidade de opções. Não tirei foto de nada porque tava suando de fome. hahaha Não deu tempo.

A Taberna, onde almocei, é só esse corredorzinho! Vale super a pena pelo preço e pra forrar o estômago com comida brasileira sem bicho. 


Gosto de ir nos mercados perguntar nas barracas de temperos como as pessoas temperam o feijão. É impressionante como varia em cada cantinho do Brasil. Em Porto Alegre, se usa muita carne, nada de coentro, muito colorau, um pouco de cominho. 

Escondidinha num cantinho do mercado fica a loja da reforma agrária, que faz parte da rede Armazém do Campo, do Movimento Sem Terra. O espaço é minúsculo, mas tem uma variedade grande de comida, coisas de higiene e afins
É tudo comida sem veneno, produzida de forma justa e na região.

Depois do almoço, rolou a primeira turma do curso Comida Política com esse pessoal querido aí,
no lugar que funciona como refeitório da loja da reforma agrária. 
E essa foi a turma de domingo, cheia de gente afrontosa, inteligente
e de saco cheio de comer veneno. 
Depois do curso de domingo, a gente foi pra Feira Vegana que rola num lugar chamado Hebraica (acho que é um clube), no bairro do Bonfim. Acontece a cada 15 dias, acho. E não tirei foto nenhuma porque tava varada de fome, pra variar, e comprei a feira inteira, gastei meu rim, conheci mais um bilhão de pessoas incríveis que me conheciam do Instagram e foi ótimo.

Só que, vamos ao momento crítico: as comidinhas da feira era uma delícia, mas ainda naquele esquema de comida de fora, beeeem influenciada pelos Estados Unidos: hambúrguer, brownie e afins. Não culpo os feirantes porque eles, obviamente, precisam vender e as pessoas quase sempre buscam esse tipo de comida. Bora começar um movimento de pedir comida vegana brasileira nas feiras?

Depois da feira, eu, a @betinaaleixo, a @marinagodward e a @brunacrioula fomos num café ali do lado pra continuar os assuntos, mas não lembro o nome do lugar. Só lembro que tinha cerveja de hortelã e picolé de coco sem leite vaca.


Aliás, as meninas me contaram que a produção do arroz orgânico do MST, a maior da América Latina, corre riscos porque uma empresa tá querendo instalar uma mina de carvão a 16km de Porto Alegre. Na verdade, não é só os assentamentos que podem ser afetados. 

O Brasil é isso, né? Quando a gente não tá lutando pra parar de comer veneno, a gente tem que lutar pra que as mineradoras não espalhem sofrimento, nem sequem a nossa água, nem despejem metais pesados na nossa cara. Se essa Mina Guaíba, da empresa Copelmi, for aprovada, será a maior mina de carvão do país. 

O total do projeto envolve 4 mil hectares de terra, onde já vive muita gente, inclusive de comunidades tradicionais, e vai precisar mudar o curso de rios! Tens noção disso? Será que a gente não aprendeu nadinha com Mariana e Brumadinho?

É como se essa fosse a nossa eterna vocação: terra de mineração e pasto! Aliás, eu fiz o percurso de Floripa a Porto Alegre de ônibus e quase cortei meus pulsos na ida e na volta! A paisagem do trajeto todinho é de cair o cu da bunda! Só enxerguei cultivos de soja e milho transgênicos, fumo, pasto e eucalipto. Parece que a Mata Atlântica nunca deu as caras ali, sabe? 

E falando em plantação de fumo, vamos fazer um parênteses aqui! Não sei se você sabe, mas o Rio Grande do Sul lidera os índices de suicídio do Brasil. É praticamente o dobro da média brasileira! E sabe que que tá por trás desses números? Justamente o cultivo de tabaco. A maioria das pessoas que se matam são agricultores que plantam fumo e tão endividados, além de intoxicados por agrotóxicos.

São mais de 500 mil gaúchos que vivem do fumo e se ferram nas mãos de grandes empresas que vendem o kit de agrotóxicos e sementes. Como os agricultores são pagos pela “qualidade” da produção e não pela quantidade, o que muitas famílias ganham não paga nem os custos da produção e os empréstimos. E não existe NENHUM apoio do estado pra que eles saiam dessa arapuca! Por isso o alto índice de suicídios! 

Mas, já que esse texto tá imenso, vou encerrar aqui. Ainda dei um pulinho no restaurante Mantra antes de voltar pra rodoviária. Custa R$ 25 o prato do dia, que inclui entrada e sobremesa e tem uma pegada indiana. É isso! Apesar da imersão nas tragédias locais, fui embora bastante animada porque conheci muita gente incrível disposta a mudar a história do Rio Grande do Sul. 🙂


O Felipe e a Amanda são meus amigos há eras e me hospedaram nesse viagem! 🙂

E, se você não conhece o trabalho da @brunacrioula, é melhor resolver essa pendência logo. Ainda não digeri tudo o que aprendi com essa mulher. Foi uma aula de Plantas Alimentícias Não Convencionais atrás da outra, um conceito mais politizado de ecologia, um banho de conhecimentos que a gente não encontra em livro nenhum não! Mas isso é papo que continua no Instagram. hahahaha

Ficam de lembrança também os matos maravilhosos que as meninas da Crioula
Curadoria Alimentar prepararam pro nosso curso!

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