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Manual do prato vegetal perfeito (gastronomicamente)

Texto de Ruan Félix*

A vida toda a gente aprende que pra compor um prato “básico”, um PF, a gente precisa da proteína animal, arroz, feijão e uma saladinha triste de alface, tomate e cebola. Então é comum que ao romper com uma alimentação com ingredientes de origem animal a gente se sinta um pouco perdido na hora de montar um prato. E não nutricionalmente falando, mas sobre questões de combinações e afinidades.

Pra gente é sempre mais fácil montar um prato quando ele é uma versão de algo que comíamos antes de virarmos veganos. Um seitan de panela pode acompanhar um arroz com farofa, uma almôndega de lentilha pode ser servida com massa e molho de tomate ou até mesmo com um arroz branco e purê.

Mas e se eu apresento a vocês alguns dos meus pratos como a couve-flor com urucum, o palmito grelhado com chermoula, a berinjela ao molho de amendoim, o pirão de chuchu ou o quiabo na tapioca? Como a gente insere esses elementos na nossa comida do dia a dia? Vamos por partes.

Quando a gente fala sobre montagem de pratos que se come todo dia, não existe certo ou errado. Cada um come da maneira que gosta mais. Se você gosta de estrogonofe com feijão, lasanha com arroz, tropeiro com farofa, nhoque com polenta frita, fique à vontade para continuar com suas preferências. 

Molhado x Seco

Não é comum que a gente sirva estrogonofe com feijão ou bobó com feijão. Isso porque essa combinação deixaria a comida com caldo demais. Normalmente comidas com muito caldo são servidas com elementos que ajudem a “conter” esse caldo, como arroz e farofa. Então, seguindo a lógica do estrogonofe, se eu apresento uma berinjela ao molho de amendoim ou pirão de chuchu, a primeira coisa a se fazer é associá-los a elementos mais secos como arroz, cuscuz de milho, cuscuz marroquino, triguilho, purê, farofa… Acompanhamentos que ficam perfeitos ao se misturar com o caldo desses pratos. 

Da mesma maneira que elementos molhados não são bacanas de se colocar ao mesmo tempo no prato, secos também não. Você pode pegar a couve-flor com urucum e servir com arroz, claro, mas eu recomendo sempre agregar algum molho no prato e deixar ele mais suculento.

E quando eu falo molho não necessariamente eu tô falando de um preparo demorado que exige cozimento longo, como é o caso do feijão ou de um pirão, por exemplo. Você pode acrescentar mais suculência com molhos rápidos, o que não falta na nossa cozinha (e caso você não conheça muitos molhos pra isso, eu recomendo que você compre minha apostila de molhos vegetais, é só mandar um alô pelo inbox do Instagram).

Então, você pode pegar uma berinjela grelhada, uma couve-flor assada, um quibe de abóbora e servir com outra base seca, mas acrescentando algum molho na composição. 

Pratos onde eu trabalhei com essa construção:

  • Quibe de abóbora com cuscuz marroquino e molho de salsa e amêndoas;
  • Palmito grelhado com farofa de cuscuz e molho de coentro;
  • Cogumelos grelhados, bifum e molho de amendoim;
  • Abóbora assada, feijão-tropeiro e vinagrete de maxixe.

Condimentado x Moderado

Estudando sobre comida indiana, vi que a maior parte dos “curries” é servida com pão ou arroz branco, sendo o arroz cozido apenas com água. Isso serve para moderar os sabores tão intensos do elemento principal. A gente consegue aplicar essa lógica na hora de montar o nosso prato com algum elemento que não tenhamos tanta afinidade assim, como uma berinjela agridoce com damascos.

Pra que não haja uma briga dentro da sua boca, eu sempre recomendo olhar para a receita e avaliar se ela tem uma “personalidade forte”, cheia de condimentos e com muitos elementos na sua composição. Se sim, eu aposto sempre num acompanhamento simples/neutros que sirva de base e ajude a moderar esses sabores. Pode ser arroz, um cuscuz marroquino mais simplinho ou uma base cremosa.

Bases cremosas

Nem sempre a comida do dia a dia é composta de arroz e feijão. Às vezes um angu ou um purê de batata cai muitíssimo bem como acompanhamento e a gente pode usar essa linha de raciocínio pra combinar elementos. Assim como uma “bolonhesa” de lentilhas vai bem com um prato fundo de angu, a berinjela agridoce que citei acima também combinaria. E isso vale para comidas com caldos mais encorpados, que molhem a base cremosa mas que não a torne uma piscina. 

E assim como a berinjela fica bem com angu ela também ficaria bem por cima de um purê de batata, de inhame, de mandioca… Como também ficaria por cima de um hummus bem aveludado ou uma quirera de milho cremosa. Porque a referência de combinação é a mesma: um elemento caldoso encorpado por cima de uma base cremosa. 

Pratos onde eu trabalhei essa construção:

  • Ragu de lentilhas com purê de batatas;
  • Berinjela na cerveja preta com quirera de milho;
  • Berinjela com damascos com hommus.

Crocância, por favor!

Na hora de compor um prato, eu gosto de pensar em texturas diferentes. O ragu de lentilhas com purê de batatas já seria um ótimo prato, mas acrescente quiabos grelhados e ele ficará ainda melhor. O mesmo serve para um bobó de cogumelos super cremoso com arroz branco que praticamente implora por algum elemento mais crocante, onde normalmente preenchemos com farofa, mas poderia ser o quiabo na tapioca, por exemplo.

Trazer crocância de texturas diferentes para um prato deixa ele muito mais interessante de ser saboreado, e você pode fazer isso de muitas maneiras. As minhas favoritas são:

  • Vegetais empanados (quiabo, berinjela, abobrinha, pimentão, peixinho-da-horta… dou dicas sobre empanamentos aqui);
  • Chips ou palha (batata, inhame, batata-doce, mandioca, couve…);
  • Picles (maxixe, rabanete, cenoura, beterraba);
  • Vegetais crus (rabanete fatiado, pepino, cebola roxa…);
  • Mix de oleaginosas/sementes (castanhas, amendoim, gergelim, semente de abóbora… recomendo demais essa receita de dukkah que está no meu perfil).

Os 5 sabores

Acho que todo mundo por aqui sabe que o nosso paladar reconhece cinco gostos básicos: salgado, doce, amargo, azedo/ácido e umami. Conhecendo esses sabores, é interessante trazer combinações que não deixem a refeição num mesmo “plano” de sabor. Um purê de abóbora sendo servido com refogado casca de banana ao barbecue é deixar o prato numa mesma nuance doce de sabor.

Em vez disso, adicione camadas diferentes de sabor trabalhando com esses gostos básicos. Adicione um vinagrete de tomates-verdes e traga mais acidez ao prato, um brócolis grelhado ou um agrião refogado/cru, além de trazer mais textura ao prato, também ajuda a trazer o amargo.

As especiarias também ajudam bastante nesse processo de trabalho com os sabores. Alimentos mais neutros como couve-flor, batata e chuchu podem vir carregados de temperos e ajudar a trazer um sabor a mais pro prato. Se você precisa de algo mais adocicado, é só usar canela, cravo, noz-moscada, pimenta-da-Jamaica… Se precisa que elementos mais pungentes, trabalhe com cúrcuma, gengibre, mostarda, cominho… (E novamente fazendo propaganda, eu tenho uma apostila de temperos que pode ajudar bastante nisso!)

Dois exemplos clássicos ótimos: a tradicional pasta de amendoim com geleia dos Estados Unidos e o molho de tahine feito com limão do Oriente Médio. O doce da geleia e a acidez do limão ajudam a contrastar os sabores amargos da pasta de amendoim e do tahine. Conhecer mais sobre os alimentos e que sabores eles têm te ajuda a fazer melhores combinações de sabor. 

Toda vez que penso nessas dicas que dei sobre como montar um prato eu penso em acarajé. Sim, acarajé. Acarajé é um bolinho frito (gordura/crocância/elemento seco) recheado com vatapá (cremosidade), caruru (textura/cremosidade), vinagrete (crocância/acidez) e se você quiser levantar isso tudo, ainda pode pedir uma pimentinha! Combinação culinária simples, perfeita, harmônica e cheia de brasilidade.

Acidez, gordura e umami

Além dessas dicas sobre texturas, eu considero super importante que cada um de nós aprenda um pouco sobre esses três pilares de uma comida mais gostosa: acidez, gordura e umami. Não vou me alongar muito sobre eles aqui, mas você pode encontrar textos meus sobre no Medium e no meu feed. 

Você pode ler um pouco mais sobre gordura na cozinha vegetal aqui, sobre acidez aqui e sobre umami aqui.

Repare que não falei o que é proteína, o que é carboidrato, nem nada que deve ter no prato nutricionalmente falando. Defendo que em pratos vegetais nem sempre é necessário haver um elemento que simbolize a proteína animal e que uma couve-flor com urucum pode muito bem ser a estrela do seu prato sem que necessariamente ele esteja incompleto. Você pode ler mais um pouquinho sobre isso nesse meu texto do Medium aqui.

Espero que eu tenha contribuído de alguma maneira pros próximos pratos que você irá cozinhar. E caso tenha alguma dúvida sobre, é só me mandar uma mensagenzinha. Só não abusa demais se não eu mando um boleto de consultoria hahaha

Beijos e até mês que vem.

Exemplo de prato que eu e Ju servimos no nosso curso em Floripa, no ano passado, que reúne alguns elementos citados nesse manual: purê de chuchu (cremosidade), tempurá de tansagem (crocância) e picles de abóbora (acidez).

*Ruan é meu amigo, gastrônomo, vegano e professor de culinária especializado em cozinha vegetal com valorização de ingredientes brasileiros. Quebrou a internet com a dica do vinagre no feijão, enche o meu saco por causa do nome “batapioca” e milita em favor do protagonismo dos vegetais, pra que “lasanha vegana” e “risoles de falso camarão” sejam conhecidos como “lasanha de berinjela” e “risoles de chuchu”. Acesse aqui o InstagramMédium ou Twitter. Para comprar as apostilas online de molhos e temperos é só enviar um alô no inbox do Instagram.

5 respostas

  1. Eu queria ver o Ruan falar alguma besteira pra poder evitar de chamar de ícone, fado sensato etc. Mas por enquanto falhei.

  2. Menino do céu. Amei esse texto. Vou reler assim que estiver em casa pra anotar tudo num caderno e sempre rever ao pensar em fazer alguma comidinha, seja ela qual for. Uma aula em um texto. Incrível.

    Grande abraço!

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