Farofa de milho e o coração na Bolívia – R$ 6,29

A situação do Equador, Chile, Argentina, do Brasil e agora da Bolívia nos obriga a falar sobre o passado e a lembrar das feridas que não cicatrizam. Por mais que tenhamos nossas diferenças, todos os países da América Latina têm em comum as marcas da colonização. Primeiro, da europeia, depois, dos Estados Unidos.
Tudo o que a gente vem passando por aqui continua sendo consequência dessa posição de servir, de produzir para alimentar os mais ricos, de funcionarmos como terra a ser sugada e explorada. E nada melhor pra explicar tudo isso do que o milho
Se não fossem os povos indígenas latinos que o domesticaram, quer dizer, selecionaram sementes até tornar esse cereal comestível, hoje a gente não teria pipoca, pamonha ou canjica. Mas o milho deixou de ser alimento há muito tempo e virou a principal matéria-prima da indústria agroalimentar. 
Nos ultraprocessados, como salgadinhos e biscoitos, virou glucose, xarope, amido modificado. Já pro agronegócio, virou o irmão gêmeo da soja transgênica, já que foi capaz de baratear a ração que alimenta frangos, porcos, bois, ovelhas, etc, criados em quantidades absurdas.
Sai o cereal base da alimentação guarani, grão que tirou tantos brasileiros da fome. Entra ração. Substância. Commoditie. Tudo cheio de sementes transgênicas, feitas pra aguentar overdoses de agrotóxicos.
Eu já sabia dessa situação no Brasil, país que não reconhece as suas origens, e onde os transgênicos entraram com muita facilidade. Mas me assustei quando descobri que a Bolívia vive um cenário bem próximo do nosso.
Logo ela, que triunfa como o único país do mundo capaz de falir a rede McDonalds simplesmente porque não reconhece fast food como comida. Logo ela, cuja população é 62,2% indígena, a maior proporção da América Latina, seguida por Guatemala, Peru e México.
Mas a Bolívia não escapou do golpe que acaba de expulsar Evo Morales porque não conseguiu resolver seus problemas estruturais mais graves, como a reforma agrária. Assim como no Brasil, a maior parte das terras bolivianas têm donos brancos, ricos e servem pra servir o exterior. A ferida da colonização continua aberta. 
Então, pra enviar força e carinho ao povo boliviano, que segue resistindo nas ruas, eu sigo comendo mais milho do que nunca. Sigo usando a comida pra contar outras histórias que não sejam as histórias da colonização. 
Até pensei em arriscar alguma receita típica do país, mas acho melhor não correr o risco, já que não tenho nenhuma referência de sabor. Milho é aquilo que nos une, junto com as dores, junto com a luta. Então hoje a minha farofa de milho é pra eles. 
Não existe futuro pra América Latina se a gente não descolonizar o pensamento, descolonizar tudo. 
Bora pra receita?
Não sei se recomendo mais a farofa ou o livro do Galeano. 
Uma dica: a farofa perfeita precisa de gordura! Não tenha medo! É só comer com moderação. Aqui em casa eu faço pouco pra não me passar. A proporção ideal pra não chegar numa receita seca e sem graça é 1 porção de gordura pra 3 de farinha. Então, se você usar 3 xícaras de farinha de milho ou mandioca, vai precisar de 1 xícara de óleo. 
Ah! A sálvia não ocupa um lugar aleatório na receita, viu? Enquanto uma planta medicinal, ela tem propriedades de limpeza, de espantar coisas ruins. Fica a dica. 
Ingredientes
⠂2 xícaras de farinha de milho flocada
⠂6 colheres de sopa de óleo de girassol
⠂2 colheres de sopa de azeite de dendê
⠂1 cebola roxa picada em meia lua
⠂6 folhas de sálvia fresca (opcional)
⠂Polpa de 1/2 de coco seco
⠂Sal a gosto
Como eu fiz
Cortei a polpa do coco em cubos pequenos. Numa panela de boca funda (não vá sujar o fogão inteiro), despejei 3 colheres de óleo de girassol e o coco. Esperei os pedaços do coco darem uma fritadinha por uns 5 minutos e fui mexendo pra não queimar. Depois disso, acrescentei a cebola picada, o resto do óleo, o azeite de dendê e as folhas de sálvia. Eu gosto de deixar a cebola bem queimadinha, sabe? Quando a cebola estiver bem escurinha, joguei a farinha de milho e um pouco de sal. Fui mexendo tudo, com cuidado pra não queimar o fundo, por cerca de 7 minutos. Prontinho. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *