Neta da Sônia, filha de Cristiane e José Luiz, 29 anos, carioca, cozinheira, turismóloga, praticante de yoga, alok da roda de samba e dona do sorriso mais debochado do Instagram. Prazer, essa é a Caroline Costa, mais conhecida digitalmente como @afro.sou. Se você não conhece a Carol, corra pra resolver isso logo.
Tudo começou em 2017, quando ela passou por uma mega transformação a partir do estômago hehe. Em casa, os legumes e as frutas nunca foram corpos estranhos. Mas a Carol conta que ela e a família faziam muita sobremesa, excesso que não faz mais parte da sua vida agora. Fora isso, os ingredientes de origem animal também foram excluídos pra dar lugar a uma alimentação vegetal variada e livre de ultraprocessados.
Eu conheci a Carol porque vi vários amigos compartilhando a #comamaisfrutas inspirados nela. E é impressionante como uma coisa que parece tão simples, como lembrar as pessoas de comer mais vitaminas e todos os benefícios das frutas, faz diferença na nossa correria louca da vida. Ainda mais agora que somos todos zumbis atracados em smartphones.
Depois a gente se conheceu pessoalmente quando eu e o crush Ruan Félix organizamos uma edição do curso Comida Política no Rio de Janeiro, que a Carol participou. Ela mora em São João de Meriti, município que compõe a Baixada Fluminense.
Mas aos poucos eu percebi que acompanhar o trabalho da @afro.sou não era só um alerta pra comer mais frutas. Comecei a conhecer várias receitas simples, com ingredientes de pouco renome como quiabo e chuchu, mas que tinham alguma referência cultural, falavam de ancestralidade, de conexão. E não tinham a menor preocupação com contagem de calorias, percentual de gordura ou quantidade de proteínas. Amo.
Depois também comecei a acompanhar a Carol falar em saúde holística afrikana, conceito que eu nunca tinha ouvido na vida, ao contrário da medicina indiana, a ayurveda, e da medicina chinesa, por motivos que você já deve imaginar: o nosso país é racista pra cacete.
Por tudo isso, resolvi chamar a Carol aqui pra contar pra gente sobre isso. O que ela tem pesquisado sobre o assunto, sobre o grupo de estudos que ela organiza só pra pessoas pretas, autores que são referência na área e os projetos dela. Bora lá!
Qual a importância da alimentação na saúde holística afrikana? Ela se conecta com a parte mental e espiritual? Existem pilares que orientam a escolha dos alimentos, suas combinações, horários?
A alimentação na saúde holística afrikana está relacionada a ser afrikano, o que significa a correlação do equilíbrio de corpo, mente e espírito. Na filosofia afrikana tudo está conectado, diferente do ocidente que enxerga cada parte de forma separada. Sobre a escolha de alimentos, é poder escolher o mais natural possível, e sim, estamos falando de alimentação viva e crua.
Quando você começou a se dar conta de que o nosso entendimento predominante de saúde aqui no Brasil tá distante da saúde holística afrikana? Houve um momento em que a ficha caiu? Foi consequência de um processo? E como tu aplicas esses conhecimentos no teu dia a dia? Familiares e amigos te apoiam?
Ah, dentro da área de Turismo o campo é multidisciplinar. Então eu já estudava sobre conflitos socioambientais e educação ambiental. E isso foi um dos motivos para mudar a minha alimentação. Depois, fiz minha transição alimentar e considerava o veganismo como uma resposta para os questionamentos que eu tinha em relação a ser humano x meio ambiente, ainda com as reflexões da academia. Porém, entre análises e autoconsciência de me enxergar enquanto uma mulher negra, logicamente afrikana, me permiti acessar conteúdos que discutem a alimentação a partir de saberes de homens e mulheres negras. Acredito que aplicar isso no dia a dia é algo que faz parte do processo de saber escolher de que forma eu me alimento, o que eu compartilho, e com quem me relaciono. Familiares amigos sempre me apoiaram, e de certa forma, eu acabei influenciando a refletirem mais sobre a questão da forma de como se alimentam.
A gente sabe que a branquitude costuma tornar exótico, marginal ou se apropriar das culturas e saberes não-brancos, né? Em relação à saúde holística afrikana, que espaços ela ocupa agora no Brasil? Achas interessante que pessoas brancas aprofundem esses conhecimentos? Ou há grandes chances de acabarmos vendo retiros namastês em resorts de Campos do Jordão só com brancos de dreads falando em nome do pesquisador Llaila Afrika? hehehe
Certamente seria vendido como algo desse tipo sim e apropriado, como já fazem esse tempo todo. Por isso, eu realizo um grupo de estudos orientados apenas para pessoas pretas (de forma gratuita) para ampliar mais sobre essas questões, para além do Llaila Afrika, mas da própria Kota Mulanji (Dra Regina Nogueira), Aris Latham, Dr. Sebi, etc. Os espaços são irmãos que já trabalham com alimentação e saúde, como Emaye Ama, que foi meu primeiro contato sobre saúde holística afrikana, e kemetic yoga, que foi a primeira mulher que eu ouvi sobre afrocentricidade. Também tem Auera, Caruru Verde, Kiumbe Ixi, e Alkebulan Roots. Acredito que estamos espalhados entre Rio e Salvador, com perspectivas diferentes ainda que com o mesmo objetivo.
Podes explicar como funciona o grupo de estudos? Como faz pra participar?
Eu abro um formulário online, coloco o link no meu perfil do Instagram e as pessoas se inscrevem. Temos um grupo de whats pra trocar uma ideia, e nos encontramos de 15 em 15 dias mais ou menos para fazer a discussão de um capítulo do livro Nutricide: The Nutritional Destruction of the Black Race. Meu objetivo é poder resgatar esse conhecimento e poder compartilhar para que outras pessoas possam acessar e se alimentar melhor. Parte do genocídio em curso é a partir da alimentação, e do distanciamento com a nossa cultura. Como meu trabalho é com alimentação, eu queria ver mais pessoas pretas entendendo que somos divindades, e que precisamos voltar pra casa, e entender o nosso propósito com a nossa comunidade. Esse é o meu.