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Orgânicos pra todos: é possível?

eu segurando um cacho de banana com selo orgânico
Depois que fiz um intensivão de postagens no Instagram sobre o Projeto de Lei que quer mudar a política dos agrotóxicos no Brasil, recebi diversas mensagens com dúvidas. Para responder todo mundo, achei que valia um textão. Vou resumir aqui os pontos que citei lá, indicando as fontes de onde tirei as informações. Depois, vou responder às questões que mais se repetiram. E, por último, vou contar a minha relação com os alimentos orgânicos

Esse é um exemplo de orgânico certificado. Mas nem sempre precisa do selo!


O que são agrotóxicos? 
Segundo a Lei dos Agrotóxicos de 1989, em rigor até o momento: “são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos” usados com o objetivo de alterar a composição da fauna ou da flora. Resumindo: são químicos que matam alguns seres vivos para promover o crescimento de alguma coisa, como soja e milho. 

De onde surgiu essa bagaça?
Após a Segunda Guerra Mundial, os agrotóxicos começaram a ser usados como remédio pra piolho, depois viram que também servia pra afastar pragas nas lavouras. O moço que criou um dos primeiros agrotóxicos, o suíço Paulo Muller, chegou a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina. 

Fonte: esta reportagem do Nexo Jornal.

Por que os agrotóxicos não são legais? 
A primeira pessoa a publicar um livro criticando o uso dos agrotóxicos foi uma zoóloga americana, a Rachel Carson, em 1962. Faz tempo, né? Mas não aprendemos. A moça explicou que essas substância se ligam ao tecido de gordura dos animais. Então funciona assim. Um gafonhoto come uma planta com agrotóxico. Aí vem um passarinho e come esse gafonhoto. O próximo animal que comer o passarinho vai ter acumulado ainda mais agrotóxico no corpo. Ou seja, os maiores predadores estão ferrados. Lembra da cadeira alimentar das aulas de biologia? Em 2005, a Universidade de Cornell foi a primeira que avisou pro mundo sobre o impacto ambiental causado por essas substâncias. A coisa é muito grave pros animais. Muitos agrotóxicos matam abelhas polinizadoras, minhocas, fungos e bactérias que são essenciais pro ecossistema continuar vivo. Além disso, esses produtinhos agrícolas também destroem ninhos de passarinhos e tocas de mamíferos. E a água? Imagina. Os agrotóxicos estão no solo, certo? Onde as pessoas ou as máquinas plantam as comidas. Aí vem a chuva e molha tudo. Essa água, contaminada com esses produtos, vai pra onde? Ela não desaparece. Ela chega nos rios, lagoas, praias, mangues e pode tornar a nossa água imprópria pro consumo

Fonte: esta reportagem do Nexo Jornal.

Onde encontrar informações confiáveis sobre os danos que os agrotóxicos causam?
Relatório do Ministério da Saúde. Acesse aqui.
Atlas dos Agrotóxicos 2017, da USP. Baixe aqui.
Documentário O mundo segundo a Monsanto. Clique aqui.
Documentário O veneno está na mesa I e II. Acesse aqui e aqui

Qual é o cenário no Brasil?
A soja, o milho, a cana de açúcar e o algodão lideram o ranking de plantações onde os latifundiários mais usam agrotóxicos. São Paulo e Mato Grosso são os estados que mais compram. Segundo o Atlas da USP citado aí em cima, 30% dos agrotóxicos usados no Brasil são proibidos na Europa. Nós utilizados 5.000 vezes mais glifosato nas nossas lavouras do que os países na União Europeia, por exemplo. Enfim, Brasil: o país do veneno. 

O que tem de grave no Projeto de Lei (PL) do Veneno?
Primeiro, a PL 6299/2002 foi escrita pelo atual ministro da Agricultura, o Blairo Maggi, do PMDB. Ele é apenas um dos maiores produtores de soja do Brasil. O moço rei da soja já foi governador do Mato Grosso, e nessa época ganhou o troféu Motosserra do Ano do Greenpeace (ele se destacou em desmatamento), também foi senador e tem vários aliados de peso no congresso. Se quiser conhecer o rosto do ministro, em um momento de descontração, cantando com o músico Leonardo, clique aqui. No momento, a PL do Veneno está em discussão dentro de uma comissão da Câmara dos Deputados. Se for aprovada lá dentro, como deve ser, ela segue pra votação geral. 

Vamos aos pontos mais graves da lei:

 ⇨ Mudança no nome:  O novo projeto de lei quer que os agrotóxicos passem a ser chamados de “defensivos fitossanitários”. Sabe quando os partidos políticos mudam de nome pra ver se a gente esquece o que eles já aprontaram? É a mesma lógica. 

Exclusão do Ibama e da Anvisa: De acordo com a lei em vigor em hoje, a aprovação de um novo agrotóxico precisa ser avaliada por três órgãos federais: Ministério da Agricultura, Ibama, que faz parte do Ministério do Meio Ambiente e Anvisa, que integra o Ministério da Saúde. O novo projeto de lei propõe que só o Ministério da Agricultura cuide disse, pra agilizar o processo.

Redução no prazo pra aprovar um novo agrotóxico: Para um novo veneno entrar em vigor no Brasil, ele precisa passar por uma avaliação, o que costuma levar de dois a três anos e oito meses atualmente. Não precisa ser especialista na área pra entender que esse período é importante para que sejam feitos testes e mais testes antes de sair aprovando o negócio, certo? Mas a nova lei quer reduzir esse prazo para 30 a 180 dias. 

Autorização temporária: A nova lei quer permitir alguns agrotóxicos que já são proibidos no Brasil. Eles poderiam ganhar uma autorização por um período determinado. Só seriam barrados aqueles venenos considerados inaceitáveis, que tiverem realmente impacto comprovado à saúde humana. Esse ponto é tão grave, mas tão grave pra mim que não consigo ser racional a ponto de comentá-lo. 

A pulverização aérea é proibida em diversos países do mundo, como os da Europa. No Brasil, ainda é permitido.


E, afinal, o que são os orgânicos?
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a agricultura orgânica é aquela que não causa danos sociais e ambientais (mais detalhes nesse link). Ao contrário do agronegócio, que produz culturas de alimentos em grande escala com o uso de agrotóxicos, os alimentos orgânicos são cultivados sem venenos por famílias, cooperativas e associações. Nesse tipo de lavoura, não se pode utilizar antibiótico nos animais, nem fertilizantes, conservantes, pesticidas, além de sementes transgênicas nos plantios. 

Só existe um tipo de alimento orgânico?
Não. Existem diversas variações. Exemplos:

 Orgânicos certificados: São alimentos que cumprem uma série de critérios super exigentes para ganhar os adesivos abaixo. O selo que garante que o produto é orgânico é dado por instituições certificadoras credenciadas no Ministério da Agricultura. Esse processo acaba encarecendo bastante os produtos. Por isso, esse grupo costuma ter um valor bem maior do que os outros alimentos, e são encontrados, principalmente, nos supermercados. 


 Orgânicos não certificados: São produtos cultivados sem agrotóxico mas que não possuem o selo de certificação. Para garantir que os alimentos estejam realmente livres de veneno é necessário conhecer os produtores ou fazer parte de redes de compras coletivas onde os participantes tenham contato direto com os agricultores. Sim, existem várias denúncias de feirantes que enganam os consumidores, mas isso não pode enfraquecer o trabalho de centenas de pessoas. Pesquise. 

 Produtos em transição agroecológica: São alimentos oriundos de plantações que já usaram agrotóxico em outros momentos e não conseguem a certificação por ainda possuírem indícios dos defensivos no solo. Por mais que os produtores tenham a intenção de plantar orgânicos, o processo de “desintoxicação” da terra pode levar anos. 

Dá pra alimentar o mundo inteiro com orgânicos?
Esse costuma ser o ponto de maior polêmica entre defensores e críticos dos agrotóxicos. Mas pense aqui comigo. Nós, brasileiros, somos os maiores consumidores de alimentos envenenados do mundo. Deixamos de ter pessoas passando fome por isso? Não. O agronegócio não resolveu o problema da fome. Já a produção de orgânicos, por mais que seja menos lucrativa, pode alimentar toda a população do planeta. Diversos estudos já provaram isso, assim como a Organização das Nações Unidas (ONU)Não acredita? Espia esses estudos aqui e aqui, além desse relatório da ONU. 

E o preço? Os orgânicos são mesmo mais caros?
Em geral sim, principalmente as frutas. Mas é importante entender os motivos que levam os preços a serem mais altos antes de sair xingando o produtor na feira. Em primeiro lugar, a agricultura orgânica envolve mais gente e menos máquinas. E essas pessoas precisam ser remuneradas, obviamente. Em segundo lugar, a distribuição dos produtos é feita em pequena escala, o que também encarece o preço final. Em terceiro lugar, o solo é utilizado de forma menos intensa e mais respeitosa. Isso significa que durante uma safra e outra os produtores precisam plantar outros alimentos menos lucrativos, justamente para recuperar a terra. E, como bem lembrado pela Flora aqui nos comentários, o principal fator que encarece o preço dos orgânicos é a falta de incentivo para os pequenos produtores. O governo brasileiro enche os grandes latifundiários de incentivos fiscais. Oferecem mil facilidades para os agricultores que usam glifosato na lavoura. E os produtores de orgânicos não recebem nenhum tipo de apoio, de subsídio, de orientação. Precisam fazer tudo por conta própria. É injusto demais!

Como tornar os orgânicos mais baratos?
Uma pesquisa da ONG Kairós mostrou que a diferença de preço entre alimentos orgânicos e convencionais está caindo cada vez mais. Os pesquisadores acreditam que o aumento da demanda por orgânicos tende a baixar os custos de produção, distribuição, marketing, etc. Acesse o estudo completo aqui. Separei também algumas dicas aqui para, juntos, nos mobilizarmos na luta pela democratização da comida sem veneno: 

 Compre o máximo de orgânicos que puder. Se você pode arcar com os custos de vegetais e outros produtos orgânicos, invista neles para que outras pessoas possam comprá-los no futuro. Não precisa comprar a feira inteira. As hortaliças, arroz e temperos, por exemplo, são mais baratos e muitas vezes têm preços equivalentes aos produtos convencionais.

 Exija que a merenda das escolas da sua região seja orgânica. Se o seu filho estuda em escolar particular, é mais fácil. Mobilize um grupo de pais e corra atrás. Se não, pense no coletivo e pressione os vereadores e deputados a sugerirem leis que obriguem as redes públicas de ensino a incluir alimentos orgânicos na merenda escolar. Não conseguiu resultados? Que tal um mutirão para criar uma horta comunitária nas escolas do bairro?

⇨ Pressione os vereadores e deputados da sua região a sugerirem leis para apoiar os produtores orgânicos. Não dá mais pra incentivar os agricultores a plantarem com venenos. Chega de subsídios e incentivos fiscais para quem utilizar glifosato na lavoura!

 Cobre de restaurantes que você frequenta. Procure os administradores e peça que incluam alimentos orgânicos no menu.

 Divulgue o trabalho de produtores e fornecedores da agricultura sem veneno. Descobriu uma feira no bairro? Bares e restaurantes que compram da agroecologia? Incentive os vizinhos e familiares a frequentarem. 

 Crie sua própria rede de distribuição. Não acha alimentos orgânicos em supermercados, feiras e hortifrutis da sua cidade? Que tal entrar em contato com alguns produtores e montar a sua própria rede de distribuição? Já existem várias pelo Brasil.Veja um exemplo aqui. É a forma mais eficaz de baratear os preços enquanto não temos mudanças efetivas nas políticas públicas.


Compro alguns orgânicos certificados e outros de produtores que conheço e confio. 


Como é a minha relação com os orgânicos?
Ainda não cheguei no ponto de poder fazer a feira do mês apenas com orgânicos. O que faço hoje é comprar o máximo que minha conta bancária e disposição para me deslocar permitem. Pesquiso bastante pra procurar os melhores preços e compro pelo menos os vegetais que costumam ser banhados em veneno: tomate, pimentão e morango. No supermercado eu passo longe porque é o lugar mais caro sempre. Aqui em Floripa eu acho arroz orgânico, folhas verdes, maçã e farinha de trigo a preços bem acessíveis. Quando vou visitar minha família no interior, sempre trago duas toneladas de comida de produtores orgânicos locais, não certificados, mas que conheço ou tenho conhecidos que conhecem e são confiáveis. Compro feijão por R$ 5/kg, açúcar mascavo por R$ 6/kg, uva, gengibre, cebola, melado, pinhão, batata doce… Tem que pesquisar! Muitos produtores não usam veneno, mas não têm a certificação. Esses são os mais baratos sempre. Corra atrás! 

Outro jeito de consumir orgânicos de baixo ou nenhum custo é plantar em vasinhos em casa ou construir uma horta coletiva no seu prédio, como é o meu caso. 


Não sabe onde comprar orgânico na sua região? Espia esse mapa com diversas feiras em cidades de todo o país. 

5 respostas

  1. Lindona,
    um ponto que você mencionou no instagram e que senti falta aqui no post é a questão dos subsídios que tornam mais baratos os produtos convencionais de monocultura – o que, por contraste, faz os orgânicos serem percebidos como caros.

    Amo demais acompanhar teu trabalho. Força aí!

  2. Ju querida.Amei seus posts.Textos claros,objetivos, gostosos de ler.A gente acaba aprendendo a cozinhar de maneira saudável e de quebra ainda fica por dentro da politica.Ca entre nos não é assunto agradável,mas não podemos ficar alheios aos destinos do nosso pais.E voce,tão sabiamente nos deixa informados de uma maneira mais leve, alternando o prazer da comida e a politica,tudo junto e misturado.Obrigada Ju.Sou sua fã.

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